A crise hídrica veio para ficar

A crise hídrica veio para ficarSó vê quem não quer. A falta de água de qualidade para abastecimento é o maior temor mundial para os próximos dez anos, relatou o Fórum Econômico Mundial, segundo divulgação da Revista Exame.

Enquanto os economistas e líderes mundiais debatem na Suíça, aqui nos trópicos houve quem comparasse a crise hídrica em São Paulo ao Ensaio sobre a Cegueira, romance de José Saramago adaptado para o cinema.

Que a relação entre a água e São Paulo está conturbada, todo mundo sabe. Recentemente foi noticiado que o sistema Billings, poluído, será a fonte salvadora. Descobre-se um santo para cobrir o outro. O tratamento da água da Billings provavelmente não será eficaz para eliminar as substâncias químicas tóxicas, que chegarão por mais essa via o organismo dos paulistanos, a torneira de casa.

Enquanto isso, a seca nos reservatórios se instala na maior parte do sudeste. Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo, revelam terem sido acometidos pela crise, com a escassez de água do Rio Paraíba do Sul e do rio São Francisco.

Os mananciais originários do Cerrado abastecem grandes bacias da América do Sul. Um desses exemplos é o aquífero Guarani, responsável por alimentar a bacia do Paraná e outros, que inclusive suprem rios da bacia do São Francisco. Então está tudo conectado de alguma maneira.

A crise hídrica afeta a disponibilidade de energia elétrica, que só aumenta e agrava o cenário pessimista da economia brasileira. A instabilidade hídrica pode afetar o agronegócio, preveem climatologistas. Aviso para o segmento que mais consome – e desperdiça – água no país.

A mídia tem explorado o tema de inúmeras maneiras. Parece uma contagem regressiva o anúncio recorrente dos níveis do Sistema Cantareira. Em meio a tanta informação sobre a água, até os políticos aprenderam a falar bacia hidrográfica. Mas, o que de fato devemos aprender com a maior crise hídrica da história do Brasil? Será que vamos aprender a lidar com a escassez de água neste ano? E nos próximos dez anos?

Compreender as verdadeiras causas seria um bom começo para encontrar maneiras de garantir a disponibilidade de água de qualidade para o futuro – e para o presente!

Uma pesquisa do Ibope do final de 2014 sobre o bem estar do paulistano mostrou que 68% sentiram diretamente problemas no abastecimento de água nos últimos 30 dias. 42% acreditam que a causa é “falta de planejamento do governo estadual”. Para 29%, ocorre devido à ausência de chuvas. 3% avaliam que se trata de mudanças climáticas derivadas do desmatamento da Amazônia.

Antes de apontar um culpado exclusivo, é fundamental entender a crise hídrica resultado de uma combinação de todos esses fatores.

As condições ambientais são pouco favoráveis na região. A contaminação e impermeabilização excessiva do solo, que clama por uma drenagem sustentável, culminam em uma absorção instantânea da água da chuva, processo conhecido por “efeito esponja”. A isso, soma-se o desmatamento das bacias hidrográficas, ilustrado pela erosão e assoreamento dos rios e falta de matas ciliares. As interferências no regime hídrico natural são extremamente prejudiciais, mas continuamos represando mananciais, canalizados, barrados, cercados por concreto.

O paulistano anda reclamando que só chove no lugar errado. Tudo culpa da Amazônia. Conforme ‘O Futuro Climático da Amazônia‘, em 40 anos, o desmatamento somou o equivalente a três estados de São Paulo (762.979 km²). A umidade amazônica abastece rios aéreos de vapor – os “rios voadores” – que fazem chover no Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. Enquanto a chuva do sistema Cantareira dependia dos rios que não voaram do Norte, no centro de São Paulo as ilhas de calor provocam pancadas de chuva intensas que alagam as ruas com seus bueiros entupidos de lixo.

Para melhorar a água da Billings, da Cantareira, do Tietê, e de todos os castigados corpos hídricos do Sudeste, seria preciso não só conter o desmatamento na Amazônia como melhorar a qualidade ambiental da bacia hidrográfica nos municípios, recuperar suas margens, fiscalizar os despejos irregulares de esgoto e efluente industrial. Isso tudo com planejamento regional, gestão participativa e educação ambiental. Instrumentos como a Lei de Proteção dos mananciais em São Paulo são louváveis, mas pouco praticados.

Ainda que muitos paulistanos empenham-se em iniciativas criativas, preocupados com o uso racional da água, infelizmente, permanece a falta de transparência dos órgãos públicos e a população paga a conta. Até quando ficaremos restritos a atitudes pontuais?

Desse jeito, parece que o termo “bacia hidrográfica” virou xingamento, de tão empregado sem o acompanhamento de uma reflexão comprometida. A crise hídrica já era alvo de alertas há décadas, coisa de ambientalista, que queria a revitalização das bacias, a recuperação de mananciais e a ampliação dos sistemas de captação e tratamento de esgoto, o reflorestamento das margens de rios, etc, etc, etc.

Vamos conviver com a escassez de água até quando? Não pode prevalecer errônea ideia de que a crise não passa de uma fase ou que o caminho é investir em “soluções” de pura engenharia. Não se quer enxergar a profundidade e amplitude do problema: a crise hídrica veio para ficar.
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